The Lancet Commission on pollution and health 2018
O presente artigo baseia-se no Resumo Executivo do estudo The Lancet Commission on Pollution and Health (A Comissão Lancet de Poluição e Saúde), publicado em 2018, com a participação de 47 especialistas de diversos países, baseado em 418 artigos científicos. O estudo confirma que, atualmente, a poluição química constitui a maior causa ambiental de doença e morte prematura no mundo, e que quase 92% dessas mortes ocorrem em países de baixa e média renda como o Brasil.
O objetivo da Comissão Lancet de Poluição e Saúde é aumentar a consciência global acerca da poluição química, superar a negligência com as doenças relacionadas à poluição e mobilizar os recursos e a vontade política necessários para enfrentar, efetivamente, os desafios existentes.
A poluição é a maior causa ambiental de doença e morte prematura no mundo atualmente. As doenças causadas pela poluição foram responsáveis por cerca de 9 milhões de mortes prematuras em 2015 – 16% de todas as mortes em todo o mundo – três vezes mais mortes do que a AIDS, a tuberculose e a malária combinadas e 15 vezes mais que todas as guerras e outras formas de violência. Nos países mais gravemente afetados, as doenças relacionadas com a poluição são responsáveis por mais de uma em cada quatro mortes.
A poluição mata desproporcionalmente os pobres e os vulneráveis. Quase 92% das mortes relacionadas à poluição ocorrem em países de média e baixa renda. Além disso, em todos os países, as doenças causadas pela poluição são mais prevalentes entre as minorias e os marginalizados. As crianças estão em alto risco de doenças relacionadas com a poluição e até mesmo exposições extremamente baixas a poluentes durante o desenvolvimento no útero ou na primeira infância podem resultar em doenças, deficiências físicas e mentais, bem como mortes no período da infância ou posteriormente.
Apesar dos seus efeitos substanciais na saúde humana, na economia e no ambiente, a poluição tem sido negligenciada, especialmente nos países de baixa e média renda, com seus efeitos sobre a saúde da poluição sendo subestimados nos cálculos da carga global de doenças.
A poluição em países de média e baixa renda, causada por emissões industriais, escapamento de veículos e uso de produtos químicos tóxicos, tem sido particularmente negligenciada nas agendas de desenvolvimento internacional e saúde global. Embora mais de 70% das doenças causadas pela poluição sejam doenças não transmissíveis, as intervenções contra a poluição são pouco mencionadas no Plano de Ação Global para a Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis pela Organização Mundial de Saúde.
A poluição custa caro. As doenças relacionadas com a poluição causam perdas de produtividade que reduzem o Produto Interno Bruto (PIB) nos países mais afetadosem até 2% ao ano. As doenças relacionadas com a poluição também resultam em custos de assistência médica que são responsáveis por 1 a 7% das despesas anuais de saúde em países de alta renda e por até 7% das despesas de saúde em países de renda média que estão fortemente poluídos e em desenvolvimento rápido.
As perdas de bem-estar causadas pela poluição são estimadas em US$ 4,6 trilhões por ano: 6,2% da produção econômica global. Os custos atribuídos às doenças relacionadas com a poluição provavelmente aumentarão, na medida em que associações adicionais entre poluição e doença sejam estabelecidas. A poluição química é um grande e crescente problema global. Os efeitos da poluição química na saúde humana são mal definidos e sua contribuição para a carga global de doenças é certamente subestimada.
Mais de 140.000 novos produtos químicos foram sintetizados desde 1950. Destes materiais, os 5000 produzidos em maior volume tornaram-se amplamente dispersos no ambiente e são responsáveis pela exposição humana quase universal. Menos da metade desses produtos químicos de alto volume de produção foram submetidos a qualquer teste de segurança ou toxicidade, sendo que a avaliação rigorosa do pré-mercado de novos produtos químicos tornou-se obrigatória apenas na última década e em apenas alguns países de alta renda.
O resultado é que produtos químicos cujos efeitos sobre a saúde humana e o ambiente nunca foram avaliados, têm sido repetidamente responsáveis por episódios de doenças, mortes e degradação ambiental. Os exemplos históricos incluem o chumbo, o amianto, o diclorodifeniltricloroetano (DDT), as bifenilas policloradas (PCBs) e os clorofluorocarbonos destruidores da camada de ozônio.
Novos produtos químicos sintéticos que entraram nos mercados mundiais nas últimas duas ou três décadas e que, como seus predecessores, sofreram pouca avaliação prévia ao mercado, ameaçam repetir essa história. Eles incluem neurotóxicos do desenvolvimento, disruptores endócrinos, herbicidas químicos, novos inseticidas, resíduos farmacêuticos e nanomateriais.
A capacidade desses poluentes químicos emergentes de causar danos à saúde humana e ao ambiente está começando a se tornar evidente. A preocupação crescente nos países desenvolvidos tem resultado no aumento da produção química nos países de baixa e média renda, onde as medidas de proteção da Saúde Pública e do ambiente geralmente são precárias. O crescimento futuro da produção química ocorrerá nesses países.
Outra dimensão da poluição química é o arquipélago global de pontos altamente poluídos: cidades, comunidades, casas e estaleiros danificados por produtos químicos tóxicos, radionuclídeos e metais pesados lançados no ar, na água e no solo por fábricas ativas e abandonadas, fundições, minas e depósitos de resíduos perigosos.
A boa notícia é que grande parte da poluição pode ser eliminada e a prevenção da poluição pode ser altamente rentável. Países de alta renda e alguns países de renda média promulgaram legislações e emitiram regulamentos exigindo ar puro e água limpa, estabelecendo políticas de Segurança Química e restringindo suas formas mais flagrantes de poluição.
Nos países que adotaram esse posicionamento mais consciente quanto à poluição química, o ar e a água estão agora mais limpos, as concentrações de chumbo no sangue das novas gerações diminuíram em mais de 90%, os rios já não pegam fogo, os piores sítios de resíduos perigosos foram remediados e muitas das cidades estão menos poluídas e mais habitáveis. A saúde melhorou e as pessoas vivem mais tempo.
Os países de alta renda têm alcançado esse progresso enquanto aumentam o Produto Interno Bruto (PIB) em quase 250%. O desafio para as nações de alta renda hoje é reduzir ainda mais a poluição, descarbonizar suas economias e reduzir os recursos utilizados para manter a prosperidade.
A afirmação de que o controle da poluição sufoca o crescimento econômico e que os países pobres devem passar por uma fase de poluição e doenças, no caminho para a prosperidade, tem-se mostrado, repetidamente, falsa. A mitigação e a prevenção da poluição podem gerar grandes ganhos líquidos, tanto para a saúde humana quanto para a economia. Assim, as melhorias na qualidade do ar nos países de alta renda não só reduziram as mortes por doenças cardiovasculares e respiratórias, mas também renderam ganhos econômicos substanciais.
Nos EUA, cerca de US$ 30 Bilhões em benefícios (na faixa de $ 4 a 88?) foram devolvidos à economia por cada dólar investido no controle da poluição do ar desde 1970, constituindo um benefício agregado de US$ 1 a 5 trilhões contra um investimento de US $ 65 bilhões.
A remoção de chumbo da gasolina retornou aproximadamente US$ 200 bilhões (na faixa de US$ 110 a 300 bilhões) à economia dos EUA a partir de 1980. O benefício agregado ultrapassou o valor de US$ 6 trilhões, por conta do aumento da função cognitiva e maior produtividade econômica de gerações de crianças não expostas, desde o nascimento, a baixas concentrações de chumbo.
O controle da poluição contribuirá para alcançarmos vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDGs), os 17 objetivos estabelecidos pelas Nações Unidas para orientar o desenvolvimento global no século XXI. Além de melhorar a saúde nos países em todo o mundo (SDG 3), o controle da poluição ajudará a aliviar a pobreza (SDG 1), melhorar o acesso à água potável e melhorar o saneamento (SDG 6), promover a justiça social (SDG 10), construir cidades e comunidades sustentáveis (SDG 11) e proteger a terra e a água (SDG 14 e 15).
O controle da poluição, por sua vez, se beneficiará dos esforços para retardar o ritmo das mudanças climáticas (SDG 13) por meio da transição para uma economia circular sustentável e baseada em energia renovável não poluente, processos industriais eficientes que produzam pouco desperdício, sistemas de transporte que reduzam o uso de veículos particulares nas cidades e promovam o transporte público e a locomoção ativa. Muitas das estratégias de controle de poluição que se mostraram comprovadamente rentáveis em países de alta e média renda podem ser exportadas e adaptadas por cidades e países de todos os níveis de renda.
Essas estratégias são baseadas em leis, políticas, regulamentações e tecnologia, orientadas pela ciência e se concentram na proteção da Saúde Pública. A aplicação dessas abordagens fortalece as economias e aumenta o PIB.
As estratégias incluem reduções nas emissões de poluentes, transições para fontes de energia não poluentes e renováveis, adoção de tecnologias não poluentes para produção e transporte, além do desenvolvimento de sistemas de transporte público eficientes e acessíveis.
A melhor aplicação dessas estratégias em campanhas cuidadosamente planejadas e com recursos adequados pode permitir que países de baixa e média renda evitem muitas das consequências prejudiciais da poluição, superando o pior dos desastres humanos e ecológicos que têm prejudicado o desenvolvimento industrial no passado, e melhorem a saúde e o bem-estar das pessoas. O controle da poluição oferece uma oportunidade extraordinária para melhorar a saúde do planeta. É uma batalha que pode ser vencida.
Para avançar com o objetivo proposto, são apresentadas seis recomendações pela Comissão Lancet de Poluição e Saúde:
1- Fazer da prevenção da poluição uma alta prioridade, em nível nacional e internacional, e integrá-la aos processos de planejamento do país e das cidades;
2- Mobilizar, aumentar e focar o financiamento e o suporte técnico internacional dedicado ao controle da poluição;
3- Estabelecer sistemas para monitorar a poluição e seus efeitos sobre a saúde;
4- Construir parcerias multissetoriais para o controle da poluição;
5- Integrar a mitigação da poluição nos processos de planejamento de doenças não transmissíveis. As intervenções contra a poluição devem ser um componente central do Plano de Ação Global para a Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis da Organização Mundial de Saúde;
6- Realizar pesquisas sobre poluição e controle da poluição para entender e controlar a poluição e para impulsionar mudanças na Política de Prevenção e Controle da Poluição;
O autor recomenda a leitura criteriosa do estudo The Lancet Commission on Pollution and Health e sua ampla divulgação para a concretização dessas recomendações.
Newton Richa – Médico do Trabalho
Representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ/MMA).