Em reportagem sobre Bijuterias Venenosas no programa Fantástico (Rede Globo), divulgada no último domingo, 17, foi feito alerta para os perigos de intoxicação por cádmio, devido a contaminação de bijuterias provenientes da China. Mas afinal, o que é o cádmio e quais os riscos à saúde humana?
O cádmio é um metal de coloração branco acinzentada, que pode apresentar-se também na cor prata esbranquiçado, azulado ou metálico. Em temperatura ambiente, o metal é dúctil e apresenta consistência mole. Foi isolado pela primeira vez em 1817 do minério calamina (cadmia), rico em carbonato de zinco. Inicialmente era conhecido como cadmium fornacum e flores de zinco por se formar nas paredes dos fornos de fundição de zinco.
O cádmio é encontrado em pequena quantidade na natureza, geralmente associado a minérios de zinco, cobre e chumbo na forma de sulfitos.
O cádmio pode ser absorvido pelas vias dérmica, respiratória e gastrointestinal.
Os estudos sugerem que, embora a absorção pela via dérmica seja lenta, pode atingir proporções relevantes nas situações em que soluções concentradas de cádmio estejam em contato com a pele por várias horas.
A via respiratória é comum principalmente em exposições ocupacionais, o cádmio geralmente se apresenta na forma de material particulado fino (poeiras e fumos) em suspensão. Partículas maiores que 10 mm tendem a se depositar no trato aéreo superior enquanto as menores, ao redor de 0,1 mm, tendem a penetrar nos alvéolos pulmonares.
A exposição oral se dá através da ingestão de alimentos e bebidas altamente contaminados com cádmio.
Após absorvido, o cádmio presente na corrente sanguínea, é distribuído a várias partes do corpo, principalmente rins e fígado e estes concentram mais de 50% de todo cádmio do corpo.
O cádmio é transportado no plasma na forma de complexo com a metalotionina, tal complexo é filtrado pelos rins, a metalotionina tem a capacidade de se ligar a sete átomos de cádmio por molécula, e também se liga a outros metais como cobre e zinco que compete com o cádmio.
Efeitos tóxicos
O cádmio é capaz de provocar diversos efeitos tóxicos em humanos e em animais de experimentação, inclusive o efeito carcinogênico. A toxicidade do cádmio se manifesta em vários órgãos e tecidos, entretanto os principais órgãos-alvo são os rins e o fígado. Outros órgãos como testículos, pâncreas, tireoide, glândulas adrenais, ossos, sistema nervoso central e pulmões foram estudados quanto aos efeitos tóxicos do cádmio.
Os principais efeitos tóxicos a longo prazo resultantes da exposição a baixos níveis de cádmio são danos renais, doenças pulmonares obstrutivas, osteoporose e doenças cardiovasculares. O cádmio é tóxico às células tubulares e aos glomérulos, afetando a função renal e provocando proteinúria.
Essas lesões consistem em uma necrose inicial das células tubulares e degeneração, progredindo para inflamação intersticial e fibrose. Devido ao potencial para toxicidade renal e hepática, há considerável preocupação com os níveis de ingestão de cádmio proveniente da dieta para a população geral (Figura 1).
Figura 1. Esquema representativo do papel das metalotioninas na disposição de cádmio no fígado e rim (Adaptado de Jarup et. al., 1998).
O cádmio também pode afetar os ossos. Supõe-se que o cádmio interfira no metabolismo da vitamina D e do cálcio, secundariamente à disfunção renal e efeitos diretos na reabsorção e /ou formação dos ossos.
A doença conhecida como Itai-itai é uma doença óssea endêmica, prevalece na bacia do Rio Jinzu, na região centro-oeste do Japão. A doença é causada devido ao consumo de arroz contaminado com cádmio, uma combinação de osteomalácia e osteoporose. A doença se caracteriza por múltiplas fraturas espontâneas dos ossos, principalmente em mulheres idosas.
Quanto ao sistema respiratório, o cádmio pode provocar doença pulmonar crônica. A inalação do metal depende da dose e da duração da exposição do ser humano. A doença obstrutiva induzida pelo cádmio pode ter iniciação lenta, e pode resultar em bronquite crônica e fibrose progressiva das vias aéreas inferiores, acompanhada de dano alveolar, levando ao enfisema. A função pulmonar é reduzida com dispnéia, capacidade vital reduzida e aumento do volume residual.
Efeitos de longo prazo nos diferentes sistemas são descritos abaixo:
Sistema | Efeito |
Respiratório | Inalação por um período longo a baixas concentrações leva a decréscimo da função pulmonar e enfisema. Bronquite crônica, fibrose e danos alveolares que levam a enfisema e à doença pulmonar obstrutiva, manifestada por dispneia e redução da capacidade vital. Diminuição da função olfativa. |
Cardiovascular | Aumento da pressão arterial. Há estudos conflitantes sobre o aumento da pressão ser apenas sistólica ou diastólica também. Aumento de doenças cardiovasculares. |
Hematológico | Exposição oral e por inalação causam anemia em animais e seres humanos, devido à redução da absorção do ferro. |
Esquelético | Debilitação dos ossos com aparecimento de osteoporose e/ou osteomalacia, dor óssea, principalmente em indivíduos com uma alimentação deficiente, provavelmente relacionados às perdas de cálcio. Doença conhecida como Itai-itai. |
Hepático | Exposição oral ou por inalação em seres humanos acumulam cádmio no fígado, mas não existem evidências sobre danos ao fígado a baixas concentrações. Em animais expostos a altas concentrações, observam-se danos (necrose de hepatócitos, alterações metabólicas e peroxidação da membrana). |
Renal | Danos nos túbulos proximais renais e como consequência não absorção por filtração de proteína de baixo peso molecular, principalmente b2-microglobulina e eliminação via urina. Há também excreção de proteínas de maior peso molecular. Proteinúria, aminoácidúria, glicosúria e diminuição da reabsorção do fosfato. Formação de cálculos renais. |
Fonte: CHASIN, A. A. M.; AZEVEDO, F.A. 2003
A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC – International Agency for Research on Cancer) classifica o cádmio como carcinogênico para humanos. A classificação está baseada em estudos conduzidos com trabalhadores expostos por longo período de tempo ao cádmio e desenvolvimento de câncer pulmonar.
Assim, como o ocorrido com a contaminação das bijuterias com cádmio, vários outros eventos envolvendo a exposição humana a agentes químicos presentes em produtos de maneira inusitada e já em pleno uso no mercado são descritos na literatura científica e são objeto de profunda investigação por agências internacionais. Casos envolvendo pinturas de copos infantis de redes fast-foods contendo altos níveis de chumbo, riscos de artefatos utilizados em produtos eróticos e de uso íntimo contendo agentes tóxicos, entre outros.
No Brasil, surge um impasse teórico e regulatório grave, já que muitos destes produtos podem não estar sujeitos à vigilância sanitária (ex: bijuterias), e neste caso, a saúde da população pode estar em risco devido à falta de controle regulatório.
Assim como na regulamentação de inventários de produtos químicos que entram no país, espera-se que haja atenção dos governos em relação aos produtos de consumo não contemplados pelas normas brasileiras, já que com o efeito de “blindagem” regulatória (banimento e proibição em outros países), pode ocorrer a destinação de produtos que ofereçam riscos para mercados alternativos, vulneráveis do ponto de vista econômico e regulatório.
Referências:
CHASIN, A. A. M.; AZEVEDO, F.A. Metais – Gerenciamento da Toxicidade. Atheneu, São Paulo, SP. 2003, p. 554.
IARC. International Agency for Research on Cancer. CADMIUM AND CADMIUM COMPOUNDS. Disponível em: < http://monographs.iarc.fr/ENG/Monographs/vol100C/mono100C-8.pdf>. Acesso em: nov. 2013.
KLAASSEN, C.D., WATKINS, J.B. Fundamentos em Toxicologia de Casarett e Doull. Editora AMGH, Porto Alegre, 2012.
OGA, S. et al. Fundamentos de toxicologia. Editora Atheneu, São Paulo, 2008.